Plantio Direto: Do Paraná para o Mundo

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Foto: IDR PARANÁ

O Sistema Plantio Direto (SPD), prática que revolucionou a agricultura moderna com base na sustentabilidade, nasceu de forma discreta no Norte do Paraná e, décadas depois, se firmou como referência global em produção agrícola conservacionista. O que começou como uma tentativa de conter a erosão e adaptar técnicas às particularidades do solo tropical, tornou-se um modelo conceitual robusto, reconhecido internacionalmente por sua eficácia e impacto ambiental positivo.

O artigo científico “No-tillage system: a genuine brazilian technology that meets current global demands”, publicado recentemente na respeitada revista Advances in Agronomy, destaca o papel pioneiro do Paraná no desenvolvimento dessa inovação. O texto apresenta um panorama histórico e técnico da evolução do SPD, reforçando a liderança brasileira tanto na prática quanto na formulação teórica do sistema.

Na década de 1960, já surgiam os primeiros questionamentos sobre a eficiência do preparo tradicional do solo — com aração e gradagem — em ambientes tropicais. Foi em Londrina, no então Ipeame (Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária Meridional), que começaram os experimentos com semeadura direta, em busca de alternativas ao modelo europeu.

Em 1971, o agricultor Herbert Bartz, da cidade de Rolândia, buscou apoio do Ipeame após conhecer a técnica nos Estados Unidos. No ano seguinte, ele realizava a primeira semeadura comercial de soja por plantio direto da América Latina. Logo, outros produtores em Campo Mourão e Mauá da Serra seguiram o exemplo, e em 1976 a prática chegou aos Campos Gerais com Franke Dijkstra e Manoel Henrique Pereira, conhecido como “Nonô”.

Esses nomes se tornaram símbolos da agricultura moderna no Brasil. Visionários, ajudaram a moldar não apenas uma prática, mas uma filosofia agrícola que seria consolidada cientificamente a partir de 1972, com a criação do Iapar (hoje IDR-Paraná). Foi ali que se definiram os três pilares do sistema: evitar o revolvimento do solo, manter cobertura vegetal contínua e promover a rotação de culturas. Essa base ecológica e sistêmica é a espinha dorsal do SPD como o conhecemos.

O termo “Sistema Plantio Direto” surgiu justamente para expressar essa complexidade. A partir de 1976, com apoio da ciência, o modelo evoluiu de técnica pontual para estratégia integrada, englobando aspectos da fertilidade do solo, mecanização, controle biológico e fitotecnia. Para Rafael Fuentes Llanillo, pesquisador aposentado do Iapar e coautor do artigo, essa abordagem integrada é o que diferencia o SPD brasileiro: “Não é apenas uma técnica, é uma nova forma de pensar e manejar a agricultura.”

O crescimento da prática foi acelerado. De meros 200 hectares em 1972, o SPD se espalhou por diferentes regiões do Paraná nos anos seguintes. A década de 1980 marcou a expansão para o Sul e Centro-Oeste do país, enquanto os anos 1990 viram a consolidação nacional, com o apoio da mecanização agrícola e de insumos adequados.

Hoje, mais de 41 milhões de hectares no Brasil utilizam o sistema, o que representa uma grande parcela da produção de grãos. O impacto global também é significativo: estima-se que mais de 205 milhões de hectares no mundo empreguem práticas similares, com destaque para países como Argentina, Estados Unidos, Canadá, Austrália e China. Ainda assim, o modelo brasileiro se mantém como exemplo, especialmente por sua adequação ao ambiente tropical e sua contribuição à chamada “agricultura de conservação”, conceito adotado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura).

Segundo Fuentes Llanillo, “o SPD é fruto da coragem dos agricultores, da dedicação da ciência e da capacidade de articulação entre diferentes setores. Ele mostra que é possível aliar produtividade, rentabilidade e preservação ambiental.”

Além de Llanillo e Tiago Santos Telles, do IDR-Paraná, assinam o artigo os pesquisadores Ruy Casão Junior, Marie Luise Carolina Bartz (UFSC/Universidade de Coimbra) e Ricardo Ralisch (UEL).

Para quem deseja conhecer mais profundamente a origem e os bastidores dessa inovação, o livro “O Brasil possível”, biografia de Herbert Bartz escrita por Wilhan Santin, é uma leitura essencial.