O cultivo sombreado de erva-mate nas florestas com araucárias do Paraná recebeu, em um marco histórico, o reconhecimento da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) como Patrimônio Agrícola Mundial. Esse título integra o programa Patrimônio de Sistemas Agrícolas de Importância Global (Giahs), que valoriza práticas agrícolas sustentáveis baseadas em conhecimento tradicional e em biodiversidade adaptada às regiões.
Com esse reconhecimento, o Paraná passa a integrar um seleto grupo de regiões no mundo — apenas 95 sistemas agrícolas em 28 países — que demonstram, por meio de práticas ancestrais, uma convivência harmônica entre produção, meio ambiente e cultura local. No Brasil, este é apenas o segundo sistema agrário a conquistar esse título. O primeiro foi o dos apanhadores de flores sempre-vivas da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais.
A escolha da FAO considera aspectos como inovação, sustentabilidade e o impacto social da atividade. No caso da erva-mate paranaense, esses critérios são plenamente atendidos. O sistema de cultivo sombreado — realizado sob a copa de florestas nativas, especialmente de araucárias — não só mantém a vegetação original, como melhora a qualidade da planta. Com menor incidência solar direta, a erva desenvolve teores mais elevados de compostos como taurina e teobromina, altamente valorizados pelas indústrias de alimentos, cosméticos e bebidas energéticas.
Além do caráter ambiental, o cultivo da erva-mate representa uma importante fonte de renda para aproximadamente 30 mil famílias no estado. O Valor Bruto da Produção (VBP) de 2023 aponta um volume movimentado de cerca de R$ 1,3 bilhão. Estima-se que 70% da produção seja feita por meio do método sombreado, o que reforça o compromisso local com práticas sustentáveis e de baixo impacto ambiental.
O engenheiro florestal Avner Paes Gomes, do IDR-Paraná, destaca que esse sistema é uma forma de consórcio florestal que favorece tanto a biodiversidade quanto a economia das famílias produtoras. “Esse modelo alia preservação e produtividade, demonstrando ao mundo que é possível produzir respeitando os ciclos naturais e mantendo vivas as tradições locais”, afirma.
Esse título também representa uma vitrine internacional. Mercados estrangeiros valorizam cada vez mais produtos oriundos de práticas sustentáveis, e a erva-mate do Paraná, com toda sua identidade cultural, pode ampliar sua presença no exterior com um diferencial competitivo legítimo.
A história desse cultivo remonta às comunidades indígenas e tradicionais do Paraná, que ao longo dos séculos aprimoraram o manejo florestal com sabedoria empírica e respeito ao bioma da Mata Atlântica. Em muitas regiões do estado, especialmente no Centro-Sul, onde a topografia limita a agricultura convencional, a erva-mate tornou-se a principal alternativa econômica.
Buscando fortalecer esse patrimônio, o IDR-Paraná e o programa Vocações Regionais Sustentáveis (VRS), da Invest Paraná, promovem capacitações técnicas e oficinas para qualificar ainda mais os produtores. As ações vão desde a escolha das mudas até o manejo integrado de pragas, sempre com foco na profissionalização e abertura de novos mercados.
Outro elemento que reforça a identidade e o valor do produto é o selo de Indicação Geográfica (IG) concedido à erva-mate de São Mateus do Sul desde 2017. O título, emitido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), reconhece o diferencial da planta cultivada na região e coroa o esforço coletivo da Associação dos Amigos da Erva-Mate de São Mateus (IG-Mathe).
Esse novo status internacional não é uma conquista isolada. O Paraná tem se destacado nacionalmente em ações de sustentabilidade. Em 2024, foi eleito o estado mais sustentável do Brasil, conforme o Ranking de Competitividade dos Estados, do Centro de Liderança Pública (CLP). A redução de 64% no desmatamento da Mata Atlântica, o aumento das matas ciliares e os avanços em reciclagem e uso racional da água são indicadores que sustentam esse protagonismo.
O reconhecimento da FAO é, portanto, uma chancela global ao esforço coletivo de agricultores, técnicos e comunidades tradicionais que, ao preservar a floresta, também colhem desenvolvimento e oportunidades para o futuro.