
Polinização sob demanda: o papel estratégico das abelhas na produção de maçãs em Santa Catarina
Quando se pensa em abelhas, é comum imaginar colmeias lotadas de mel. Mas a verdadeira riqueza que esses insetos geram vai muito além: sua principal contribuição está na polinização — um processo essencial para 73% das culturas agrícolas do planeta. No Brasil, estima-se que o impacto econômico desse trabalho natural atinja R$ 43 bilhões. E poucos exemplos ilustram tão bem essa importância quanto a produção de maçãs, especialmente em Santa Catarina, líder nacional no cultivo da fruta.
Em 2023, o estado colheu 628 mil toneladas de maçã, movimentando cerca de R$ 1 bilhão. Do total, impressionantes R$ 988 milhões podem ser diretamente relacionados ao serviço de polinização promovido pelas abelhas.
Colmeias em movimento: o modelo da apicultura migratória
Para garantir essa contribuição, a presença estratégica de colmeias nos pomares vem se tornando cada vez mais comum. Enquanto alguns produtores mantêm apiários próprios, outros preferem alugar colmeias no período da floração — prática conhecida como apicultura migratória. Os apicultores levam suas colmeias até as áreas cultivadas e recebem, em média, R$ 125 por unidade.
Segundo estimativas da Epagri, das 358 mil colmeias em operação no estado, cerca de 51,9 mil são usadas especificamente para a polinização das macieiras. Isso representa uma movimentação anual de R$ 6,4 milhões, gerando benefícios tanto para apicultores quanto para fruticultores. A prática é comum entre criadores do Litoral Sul, que transportam suas colmeias para regiões serranas durante a floração, aproveitando o momento em que a produção de mel no litoral está em baixa.
Maçãs mais bonitas, mais duráveis — e mais lucrativas
A polinização não só aumenta a quantidade de frutos, como melhora sua qualidade. “Maçãs bem polinizadas possuem entre oito e dez sementes, o que as torna mais simétricas, redondas e com melhor classificação comercial”, explica André Sezerino, pesquisador da Epagri. Isso também reflete diretamente na durabilidade das frutas, que conservam melhor nas câmaras frias e apresentam menos problemas com podridões.
Para os fruticultores, os ganhos justificam plenamente o investimento no aluguel das colmeias. Além disso, a necessidade de proteger os polinizadores leva a uma redução no uso inadequado de agrotóxicos, contribuindo para uma produção mais sustentável.
Um novo negócio: a polinização como fonte de renda
O agricultor Renan Lima Pereira, de São Joaquim, começou a investir na apicultura em 2019 ao perceber os resultados positivos da polinização em seu pomar de maçãs. Com apoio da Epagri, ele adotou práticas técnicas e passou a usar de 8 a 10 colmeias por hectare. “A produtividade aumentou de 20% a 25%, e a qualidade das frutas melhorou muito”, afirma.
Renan e seu irmão Breno são hoje proprietários do Apiário Flor de Altitude, com 450 colmeias e produção anual de cerca de 8 toneladas de mel. Além disso, eles alugam entre 250 e 300 colmeias por ano para polinização, gerando um faturamento aproximado de R$ 47 mil com esse serviço.
O planejamento é fundamental: antes de instalar as colmeias, Renan realiza um mapeamento aéreo da propriedade para distribuir estrategicamente os enxames, considerando o raio de alcance das abelhas, que gira em torno de 300 metros. O aluguel por colmeia varia de R$ 150 a R$ 175 por temporada.
Incentivo técnico e financeiro
Para ampliar o alcance dessa prática, a Epagri tem atuado intensamente junto às famílias rurais, oferecendo capacitações e assistência técnica tanto para apicultores quanto para fruticultores. Em 2024, somente nas regiões de Lages, São Joaquim e Videira, foram realizados mais de 2 mil atendimentos voltados à criação de abelhas da espécie Apis mellifera.
Em 2023, o estado lançou o programa Poliniza SC, a primeira política pública voltada à apicultura migratória. Por meio dele, famílias agricultoras podem acessar até R$ 10 mil em crédito para investir no aluguel de colmeias, com cinco anos para pagar e sem juros. A Epagri atua na elaboração dos projetos de financiamento.
Pesquisa e planejamento desde o início
Segundo o pesquisador André Sezerino, o planejamento da polinização deve começar antes mesmo do plantio do pomar. É preciso escolher as variedades certas, posicionar as plantas adequadamente e preparar o terreno pensando na futura atuação das abelhas.
A polinização cruzada é essencial na cultura da maçã, que exige a interação entre diferentes cultivares — como Fuji e Gala. Por isso, a recomendação técnica é de pelo menos seis colmeias de abelhas com ferrão por hectare. O uso complementar de abelhas nativas também é vantajoso, especialmente em áreas cobertas por telas antigranizo, onde elas se movimentam com mais facilidade. A introdução de 10 a 12 colmeias nativas por hectare pode aumentar a produtividade em até 5 toneladas.
Um elo entre natureza e produção
Ao integrar corretamente o manejo dos pomares e das colmeias, os agricultores não apenas colhem frutos melhores, mas também prestam um valioso serviço ambiental. As abelhas, ao polinizar as macieiras, também contribuem para a biodiversidade das matas próximas, ampliando o impacto positivo de sua atividade.
Com apoio técnico, políticas públicas e conhecimento aplicado, produtores e apicultores catarinenses têm transformado a relação com as abelhas em uma parceria estratégica — essencial para o presente e o futuro da agricultura.